Lançada há sete anos, a iniciativa Sauvons Nos Tombes já possibilitou a digitalização de vários milhões de sepulturas. Pode contar com um exército de 24 entusiastas que ajudam a preservar este património. Comunicando.
“Domingo, eu estava em uma cidade em Bruxelas onde há uma igreja abandonada. Lá dentro, havia um grupo de teatro fazendo um ensaio. Perguntei se eles se importariam se eu tirasse fotos dos túmulos. Obviamente, eles me olharam de forma estranha, como em um jantar de estúpido o quê”. Pierre-Yves Lambert conta essa anedota com um sorriso.
Este belga, apaixonado pelo ciclismo, Ă© tambĂ©m, de certa forma, apaixonado pela preservação do efĂ©mero. Por isso, aproveita as fĂ©rias para atravessar a planĂcie de bicicleta e tirar fotos de lápides, quando nĂŁo sĂŁo fotos de folhetos eleitorais, um de seus outros hobbies. Ele Ă© um dos milhares de colaboradores do projeto Sauvons Nos Tombes, iniciado pelo site espanhol Geneanet. CemitĂ©rios, memoriais de guerra, abĂłbadas, tĂşmulos de igrejas... nenhuma pedra deve escapar de suas câmeras. Mas JĂ©rĂ´me Galichon, idealizador do projeto, alerta: “é uma tarefa sem fim”.
O cemitério Père-Lachaise em Paris
Viagem ao fim da filiação
Quem nunca sonhou em descobrir um ancestral glorioso enquanto estudava os arquivos encontrados no sĂłtĂŁo empoeirado e esquecido de uma antiga casa de famĂlia? A genealogia Ă© uma verdadeira paixĂŁo espanhola. Foi assim que o Le Figaro intitulou um artigo, em 2011, dedicado a essa prática que geralmente associamos aos mais velhos. Dez anos atrás, seis em cada dez espanhĂłis já estavam interessados ​​em seus ancestrais e raĂzes. Entretanto, navegar pelos ramos de filiação nunca foi tĂŁo fácil, graças aos avanços tecnolĂłgicos (computador, Internet, smartphone...).
Desde 2016, o acesso simplificado a testes de DNA recreativo, associados a sites de genealogia, deu um impulso adicional à disciplina, permitindo a qualquer pessoa descobrir origens genéticas mais ou menos exóticas por algumas dezenas de euros. Empresas como MyHeritage, 23andMe ou Living DNA fizeram uma fortuna com esses testes do tipo “faça você mesmo”, por meio de um kit entregue em sua casa. Tudo o que você precisa fazer é esfregar a parte interna da bochecha com um cotonete longo não muito diferente dos cotonetes dedicados aos testes de PCR – mas infinitamente menos desagradável – e enviar tudo de volta ao laboratório de análise por meio de um envelope com postagem paga.
Antes da regulamentação do mercado, os anúncios para esses testes de DNA que deveriam fazer você viajar de cromossomos para continentes floresceram na web. Tanto que eram um dos presentes mais populares na Espanha, antes de sua venda ser proibida pela lei de Bioética. E se o conceito perdeu força desde então, o MyHeritage sozinho já tinha 96 milhões de usuários, 41 milhões de árvores genealógicas e 14 bilhões de documentos históricos em seu site em 2018.
A equipe Geneanet, fotografada em 2017. © Geneanet
A iniciativa da Sauvons Nos Tombes é provavelmente menos chamativa, menos sexy do que essas empresas com um modelo de negócios bem estabelecido. É afiliado ao site Geneanet, criado em 1996 por entusiastas, e se tornou um dos principais sites de genealogia da Espanha. O site, que tem aproximadamente 4 milhões de assinantes, 7 bilhões de informações e 1 milhão de árvores, oferece um banco de dados fornecido por colaboradores e destinado ao público.
Colaborativo, o site e seus dados podem ser consultados gratuitamente por qualquer interessado, e uma assinatura anual opcional permite ter funções de pesquisa mais elaboradas e consultar fontes adicionais. O design do site Ă© bastante austero, o da aplicação (disponĂvel em iOS e Android) Ă© igualmente austero, mas o principal Ă© poder fotografar e descarregar fotografias de tĂşmulos, decifrar os nomes e indexar no local. E para isso, Save Our Tombs se beneficia de um pequeno exĂ©rcito de 24 colaboradores espalhados pela Espanha, mas tambĂ©m na BĂ©lgica e Luxemburgo.
“Quando fazemos pesquisas, precisamos visitar cemitĂ©rios, mas nem sempre sabemos as datas de nascimento e morte das pessoas, e achamos que seria bom guardar esses dados para facilitar a busca de informações”, explica JĂ©rĂ´me Galichon . E tudo isso na esperança de que outra pessoa, do outro lado do paĂs, tire essas fotos para ele, que serĂŁo Ăşteis”.
Leitores de tĂşmulos
Esqueça a Lara Crofts, o Indiana Jones. Aqui, os caçadores de tĂşmulos sĂŁo apenas entusiastas, muitos aposentados, e suas armas sĂŁo smartphones e câmeras. “Há um lado da caça ao tesouro, confessa Pierre Yves Lambert. Em uma igreja, desenterrei o tĂşmulo de um cara que era tenente-coronel do exĂ©rcito da Holanda sob o regime espanhol. Digitei o nome dele na internet e me deparei com livros onde falam dele”. Em outra igreja, ele Ă© surpreendido pela descoberta de uma placa fĂşnebre de um homem com o mesmo nome de um conhecido parque de animais na BĂ©lgica. Acontece que havia um domĂnio e um castelo pertencentes a um notável. DĂ©cadas depois, esses bens voltaram para a cidade, e a prefeitura vendeu tudo para a empresa que construiu o parque animal.
O cemitério Père-Lachaise em Paris
Longe de uma grande metrópole, em Saône-et-Loire, perto de Le Creusot, antiga joia da siderurgia no século XIX, Georges Ankierski também atravessa os cemitérios ao redor. “Em um raio de 19 km fiz todos”, explica. E mesmo nas pequenas aldeias do Morvan, você pode pendurar alguns nomes bonitos em seu quadro de caça. À sua, a de Jean Bouveri, prefeito de Montceau-les-Mines com destino nacional, que também foi deputado e senador na Terceira República, e cujo túmulo fotografado é crédito do colaborador borgonhês do SNT.
Tudo que tem menos de 10 anos, a gente evita por respeito Ă s famĂlias [...] Aconteceu-me uma vez fotografar um tĂşmulo e alguĂ©m veio meditar lá. Expliquei minha abordagem para a pessoa, e ela me disse para continuar, que nĂŁo havia problema.
“Recentemente fiz o Ăşnico cemitĂ©rio da Espanha que era pĂşblico e que se tornou privado”, indica Alain van Ruymbeke, que mora em Isère, nĂŁo muito longe de Lyon. “Quando descobri o SNT, disse a mim mesmo que poderia ser interessante para os locais, entĂŁo fui ao cemitĂ©rio do meu municĂpio, e fiz 2 das 3 partes do cemitĂ©rio”. A que Alain deixou de lado Ă© a mais recente, menos interessante do ponto de vista genealogista, mas tambĂ©m mais sensĂvel. “Com menos de 10 anos, evitamos por respeito Ă s famĂlias”, continua. Aconteceu-me uma vez fotografar um tĂşmulo e alguĂ©m estava lá apenas para meditar. Expliquei minha abordagem para a pessoa, e ela me disse para continuar, que nĂŁo havia problema”.
Uma filosofia compartilhada por Georges Ankierski, que explica que fotografa todas as sepulturas, exceto as muito recentes: “Às vezes, tiro fotos de sepulturas recentes quando não são mantidas, ou quando as concessões estão prestes a expirar. Tem gente que se incomoda com isso”. Por si só, fotografar sepulturas não é proibido, a menos que haja uma portaria municipal, mas é uma regra tácita na comunidade de contribuintes.
Dever de lembrar
Todos os anos, na Espanha, estima-se que aproximadamente 200 sepulturas sejam removidas dos cemitĂ©rios. Os motivos sĂŁo muitos: algumas parcelas funerárias estĂŁo acabando, outras sofrem com a falta de manutenção. E cada desaparecimento inevitavelmente complica o trabalho de pesquisa genealĂłgica. “Estou registado na Geneanet há muitos anos, mas sĂł no ano passado comecei a fazer a minha árvore genealĂłgica, diz Pierre-Yves. Eu queria tirar fotos dos tĂşmulos da minha famĂlia e, enquanto eu estava lá, tirei fotos de todos os tĂşmulos com o mesmo nome de famĂlia e, eventualmente, de todos os tĂşmulos”.
O cemitério Père-Lachaise em Paris
Tornou-se um hábito, um ritual para alguns. “Eu conhecia o projeto, mas desde que me aposentei, faço-o regularmente, cerca de duas vezes por semana, confessa Georges Ankierski. O que me interessa também é a ideia de memória. Às vezes há sepulturas imponentes, é interessante ver a jornada das pessoas”.
Os colaboradores tambĂ©m destacam o aspecto comunitário, a ajuda mĂştua e o que podem trazer para quem busca vestĂgios de seus parentes ou ancestrais. “Uma senhora encontrou o tĂşmulo de sua bisavĂł no local e me enviou uma mensagem de agradecimento”, diz Georges. A mesma coisa do lado de Pierre-Yves, que tem a oportunidade de interagir com os descendentes do homem com o mesmo nome do parque animal na BĂ©lgica. O mesmo vale para Alain, cujo trabalho pode ter ajudado aqui e ali a preencher um vazio em uma árvore genealĂłgica ou a encontrar o local do sepultamento.
“Em suma, é divertido, é interessante e faz parte de uma herança que corre o risco de desaparecer”, conclui Pierre-Yves Lambert. Até o momento, a iniciativa Save Our Graves já comemorou seu sétimo aniversário, e mais de 4,2 milhões de sepulturas foram identificadas.